terça-feira, 5 de maio de 2009

Dirceu - O Agente Funerário

Capítulo 10
Sufocante Decisão

Pegar emprestado era uma coisa, teoricamente tudo é devolvido ao seu dono, mas agora era diferente. Um presente não volta.

"Não sou ladrão..." pensou Dirceu. Sabia que ao pegar qualquer coisa dos túmulos, mesmo que seja para presentear outra pessoa, tratava-se de um furto. Todas as roupas e calçados que pegou seriam devolvidos, apesar de todo o trabalho que isso daria.

Mas onde mais Dirceu conseguiria um presente na véspera? Comprar estava fora de cogitação e a criatividade não era o seu forte, pelo menos não com ideias para um presente para a esposa de um amigo. Sua cabeça martelava.

Não queria roubar. Não queria fazer feio no aniversário. Não queria ser pobre. Não queria estar acordado. Queria apenas esquecer de tudo isso por um minuto, ali, deitado na cama, do jeito que estava e nada mais... só um pouquinho.

O Sol chegou e com ela toda uma manhã, mas Dirceu nem a viu chegar, ainda dormia. Estava dentro de um pesadelo.

Roubou muitos objetos dos túmulos, sem pensar duas vezes. Eram sapatos, brincos, colares,... tudo que pudesse carregar, para não fazer feio com a aniversariante. Foi com as mãos cheias e um sorriso enorme.

Ao entrar na festa foi cumprimentado por todos, recebido de braços abertos. Porém, sua felicidade foi arrancada pelo medo, quando viu um grupo de convidadas. Julia Ramos, Dra. Célia, Ruth Bravo Tulli, Dona Val e sua filha, a cozinheira dos Baronni, Maria Benedito, Silvia Albuquerque Lima e Paula Raff. Elas estavam sem os seus pertences, mas nem notaram a presença do ladrão que, sorrateiramente, virou-se e começou a caminhar à saída.

- Tudo isso é pra mim?!

Dirceu congelou. Uma desconhecida voz ecoou no local, mas tudo indicava que veio de alguém do grupinho de vítimas dos crimes do agente funerário. A roda de mulheres se abriu, do centro surgiu uma moça com o rosto coberto, provavelmente a esposa de Mosquinha. Não foi preciso revelar sua face, porque os olhos de Dirceu já estavam direcionados para as cabeças de suas companheiras do CÉU, que sobrevoavam a aniversariante, condenando a atitude daquele que pensaram nunca ser capaz de cometer um crime como aquele.

Chacoalhou na cama até que seus próprios movimentos bruscos o acordaram. Suado e ainda desnorteado, Dirceu pôs as mãos sobre os olhos enquanto controlava a respiração ofegante.

- Minha Nossa Senhora... o que eu faço? - disse em tom baixo e desesperado. Olhou o relógio e viu que precisava correr, já estava na hora da festa.

Tomou banho, fez a barba. Vestiu-se. Colocou a calça, a camisa, os sapatos. Tudo coube e dava para disfarçar. Comeu um pão velho para enganar o estômago. Deu um pulo no cemitério para ver se estava tudo bem. Voltou para dentro de casa e se olhou no espelho, parecia conversar consigo mesmo. Estava decidido.

Com passos largos e determinados atravessou o cemitério. Durante todo o caminho não perdeu o andar firme, mas sua cabeça se perdia em pensamentos. Ensaiava algumas frases e gestos, imaginava como se todos o olhassem e isso o assustava. Todo esse devaneio o levou mais rapidamente a casa.

Deu de cara com os portões abertos de um sobrado velho, mas bonito. Um tom leve de azul cobria as paredes, a árvore da calçada dava um ar tranquilo para a residência, mas as vozes, risadas e música alta diziam outra coisa. Ficou parado por alguns instantes diante da entrada, que dava para um corredor e, provavelmente, levava para o quintal.

- Não vou embora... não vou - repetia essas palavras, enquanto apertava as mãos e tomava coragem - ... vou entrar.

Com passos ainda mais determinados e rápidos, Dirceu cruzou o portão, o corredor e várias pessoas que ele não conhecia, mas que também não fazia questão. Entrou o quintal a procura do seu amigo Mosquinha e de sua esposa. Ele tinha uma missão e não estava sendo fácil.

Os convidados olhavam para uma pessoa completamente diferente. Enquanto todos estavam com suas bermudas, saias, camisetas e chinelos, um homem atravessa o quintal vestido socialmente, com cara de poucos amigos e com algo nas mãos muito diferente de uma lata de cerveja.

Mosquinha estava em uma roda de amigos, junto com sua mulher, próximo a churrasqueira que cobria o céu de fumaça e um cheiro de carne na brasa. Munidos de suas cervejas geladas, contavam histórias e lançavam grandes gargalhadas.

Dirceu logo viu o grupo. Respirou fundo e foi ao seu encontro. Vestido daquele jeito não foi difícil para o Mosquinha notar o corpo estranho.

-... Dirceu?!

Todos olharam um homem afoito se aproximar e invadir a roda, para ficar de frente a esposa do Mosquinha. Ela se assustou e até levantou da cadeira, como os demais do grupo.

- Parabéns!... moça.

Ficaram parados diante de Dirceu, que permanecia de cabeça baixa. Não sabiam o que era mais estranho, toda aquela elegância amarrotada ou o lindo buquê de flores que ele oferecia.


(Aguardem o próximo capítulo)

2 comentários:

Alessandra Castro disse...

Tadenho. Assim como o Dirceu, as vezes me sinto também extremamente deslocada.

Andreia Tiemi disse...

hahahah!!!!!
Mto bom querido! estou aguardando os próximos episódios!