quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Dirceu - O Agente Funerário

Capítulo 13
Vontade de estar morto

- Eu... eu... sabe... trabalho com gente... - ele não queria dizer nem com reza brava.

- Com gente? Muitas pessoas? Não sou tão boa em adivinhar coisas. - riu Suzana se remoendo de curiosidade.

- Sim. Muita gente.

- Hum... deve ser cansativo.

- ...até que não me incomodam muito.

- ...você não vai me dizer mesmo né?!

- Está bem... eu sou... agente funerário. - disse Dirceu sem quase abrir a boca e abaixando a cabeça. Nenhum ouvido humano teria escutado.

- O quê?!... não escutei nada do qu...

- Amor! - gritou Mosquinha entrando na cozinha sem cerimônias - Suas amigas chegaram, estão esperando lá fora.

- Que bom! Vou lá... depois conversamos, Dirceu.

Quando Suzana saiu da cozinha, Dirceu voltou a respirar. Faltou bem pouco para que ele dissesse o que não queria, mas já estava sem escapatória e uma hora teria que contar. Era tudo questão de tempo.

Passado o susto, ergueu a cabeça e olhou para Mosquinha, que o encarava com um sorriso malandro.

- Agora sim a festa começa para você, meu amigo. - disse Mosquinha, todo empolgado - As mulheres estão aí e é melhor você atacar antes que os outros cheguem primeiro.

Aquelas palavras entraram pelos ouvidos de Dirceu, correram pelas veias e atingiram o coração. Logo ele começou a bater rapidamente. Seu corpo tremia. As pernas bambeavam e suas mãos suavam. Seu rosto ficou mais vermelho que um tomate em instantes. E ele não sabia o motivo, mas sua boca ficou seca de repente.

- Vamos lá que eu te apresento... - Mosquinha pegou o braço do amigo e tentou puxá-lo, em vão - ...o que foi?!

O peso de todos aqueles olhares femininos caiu sobre sua cabeça e o pregaram no chão daquela cozinha. Por mais que Dirceu estivesse acostumado a deitar suas mulheres, seu rosto corava instintivamente toda a vez que descobria que teria que cuidar de uma defunta. Imagine ter que cuidar de vivas.

Entretanto, antes que seu cérebro transmitisse para a sua boca as milhares de desculpas incabíveis para ir embora, Mosquinha arrancou aquele prego da cozinha com metade da sua força.

- Deixe a vergonha pra lá... vou te ajudar nessa amigão!

Quando Dirceu percebeu, estava no quintal, meio de pessoas novas, principalmente mulheres, clareadas pelas lâmpadas improvisadas acesas naquele início de noite. Por mais que ele tentasse correr, seu "amigão" não deixava. A única coisa que ele poderia fazer é passar despercebido, de cabeça baixa, sem falar com ninguém e sem chamar a atenção...

- Pessoal... esse é o meu amigo Dirceu. - tarde demais - ...e atenção meninas, ele é solteiro. - BUUUUMMMMMMMM.

Algumas pessoas riram, outras beberam o que tinha em seus copos, outros nem deixaram de conversar. Mas uma coisa é certa, todos naquele quintal olharam para um homem franzino, vestido socialmente e olhando para o chão. Aquele corpo parecia ser erguido unicamente pelo braço de Mosquinha que o abraçava.

Os seus companheiros do CEU nunca fariam isso com ele. Não o entregariam em uma bandeja, tão pouco olhariam para ele e ririam dele. Estariam apenas ali, com ele, e nada mais. Nesse instante, Dirceu sentiu saudades e começou a se perguntar "por que inventei de vir aqui?!".

- Não faz assim! - disse Suzana puxando a orelha de seu marido - Vai deixar o Dirceu todo envergonhado.

Por mais que seja um ato heróico, já era bem tarde. Agora o agente funerário disfarçado estava ali, jogado, sem ter para onde correr. Se bem que, com a bronca de Suzana, Mosquinha havia largado o amigo.

Foi só perceber que as algemas foram soltas para que os pés de Dirceu começassem a trabalhar. Desviando das pessoas e dos olhares, enfrentou aquela selva de gente viva. Notou que realmente tinham chegado mais mulheres. Loiras, morenas, brancas, negras, altas, baixas, magras, gordas, vivas, bem vivas, muito vivas. De beleza não entendia nada, não se dava ao luxo de ter uma opinião ainda mais naquele momento de pressão.

Abaixou-se ainda mais para passar mais rápido entre as pessoas, parecia uma das crianças correndo pela festa. Inesperadamente para ele, mas completamente esperado devido a sua reação descontrolada, Dirceu esbarrou em uma moça e derrubou o seu copo de cerveja. Seria muito indigno e desrespeitoso ir embora sem mais nem menos.

- Desculpa, moça... - desde que entrou na "selva", foi a primeira vez que o agente levantou a cabeça e olhou para os olhos de alguém - você se sujou?

- Não... quer dizer... um pouco... deixa pra lá... eu já tava querendo ir embora... tá tudo bem. - estranhamente, ela também parecia andar de cabeça baixa por toda a festa.

Ela não era bonita, mas não era feia. Nem alta e nem baixa. O vestido preto, um pouco molhado na altura da barriga, não permitia distinguir ser magra ou levemente gorda. Branca, não tanto quanto um falecido. Era um branco vivo. Com o copo vazio.

- Pera aí... eu vou pegar mais cerveja para você. - e Dirceu não fazia a menor ideia do motivo que o levava de volta para a mesa que estava o balde de gelo, com as cervejas em lata. Estava tão próximo da saída. Tão perto de por fim nisso.


(Aguardem o próximo capítulo)

2 comentários:

Anônimo disse...

agora vi vantangem...

Mar e Ana disse...

Ai que agonia ser tímido!
ejuiheuheuhe

:*