quinta-feira, 26 de março de 2009

Dirceu - O Agente Funerário

Capítulo 9
Amigo sempre empresta

Dirceu não sabia que roupa usaria no churrasco, como se comportaria, quem encontraria e muito menos o que daria de presente para a mulher de um amigo que ele não via há anos. Não se lembrava que a vida social era tão complicada.

Era sábado, e o domingo já batia na porta da noite. Entre camisetas velhas, aquelas que se ganham e não se compram, Dirceu encontrou uma camisa azul levemente amarrotada pelo tempo. Testou-a e se achou muito elegante e não notou o quanto parecia um cobrador de ônibus.

Buscou meias sem furos, mas só encontrou aquelas que não faziam par, “todas são brancas, ninguém vai notar” pensou. Vasculhou o pouco que tinha mais de uma vez e confirmou seu receio, não tinha calças para uma festa, tão pouco algum calçado mais arrumadinho. A humildade sempre o guiou, mas era nítido que Dirceu não queria passar vergonha.

Precisava fazer algo, sem calças ele chamaria ainda mais a atenção na festa, e o que queria era ficar igual para passar despercebido. Não tinha dinheiro para gastar com isso, quem iria socorrê-lo? E de repente, a resposta veio como um estalo do além.

Dirceu poderia ter roubado, matado ou pedido trocados na rua, mas não. Resolveu pegar algumas coisas emprestadas dos seus vizinhos mórbidos, após matutar alguns minutos. Não era um crime e, de certo modo, era apenas uma maneira dos seus amigos retribuírem toda a ajuda o agente prestou.

José Borges, Guilherme Flanco, os irmãos Citaldi, Rico Gespar, O Senhor Perto da Árvore, Afonso Prates, Pedro Turin, Thiago Mendonça e Silva,... Muitas pessoas para se lembrar e recordar como estavam vestidas. Claro que não havia muitas diferenças, geralmente os mortos são tão produzidos, com suas roupas sociais impecáveis, que ficam mais bonitos do que vivos, mas os trajes são geralmente semelhantes.

Dirceu recordou que Narciso Bueno tinha uma altura próxima a sua. Correu para o seu túmulo, daqueles acima do solo (não se daria o trabalho de cavar), com algumas ferramentas na mão. Narciso era um homem bem sucedido, mas simples, não demonstrava seu poder aquisitivo pelas roupas e foi enterrado pela família desta forma.

Arduamente o agente conseguiu abrir o sepulcro, mas o esforço compensou, encontrou não só a calça social intacta, como o próprio cadáver ainda estava em bom estado. Talvez não tivesse tanto esforço para limpar a peça.

Por um instante, Dirceu hesitou. Por mais que estivesse acostumado a vestir alguns defuntos, despi-los era uma atividade nova. Também se perguntou se, de alguma forma, Narciso não passaria frio ou se não era um grande incomodo, afinal ficaria sem calça.

- Você me empresta, por favor? – Narciso não respondeu que “sim”, mas também não disse que “não”. Foi o suficiente para se convencer de que não seria tão ruim para o colega deitado e retirar a calça com todo cuidado possível.

Para evitar o transtorno de ter que violar outro caixão, Dirceu aproveitou para pegar emprestado também os calçados, só ficou na dúvida se eram sapatos ou tênis, pois parecia uma mistura, ainda mais para o seu conhecimento estético.

Fechou o túmulo. Retornou para casa e constatou que o defunto era maior, mas nada que uns apertões aqui e ali não resolvessem. Seus pés agradeceram por Narciso não calçar menos que 41. Um problema a menos.

Refez os pensamentos para ver se não estava esquecendo de nada: camisa, calça, meias e sapatos. Tudo certo. Um alívio tomou conta de Dirceu. Agora era só pensar no presente...

- Aí merd... – pôs a mão na boca antes de completar a palavra. Também não havia dinheiro para um presente, nem onde comprar naquela hora.

Respirou fundo. Sabia que chegar de mãos abanando seria chato, ainda mais depois de um convite desses. Sentou-se na cama, colocou as duas mãos sobre a cabeça e fechou os olhos. Pensou alto e começou a dizer:

- Julia Ramos, Dra. Célia, Ruth Bravo Tulli, Dona Val e sua filha, a cozinheira dos Baronni, Maria Benedito, Silvia Albuquerque Lima, Paula Raff,... 


(Aguardem o próximo capítulo)

Um comentário:

Andreia Tiemi disse...

Muito bom! estou aguardando cenas do proximo episódio! hehehehe