segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Dirceu - O Agente Funerário

Capítulo 8
Vida convidativa

Ultimamente Dirceu não tem essas conversas tão pessoais. Detestava dar corda a assuntos que envolvessem ele mesmo. Enquanto as pessoas conseguiam falar de si mesmo por horas, o agente demorava 10 segundos.

- Ah... nada demais... muito trabalho. - às vezes nem tanto.

- Que bom! Trabalho enobrece o homem e ainda dá o pão... o que você faz mesmo?

De tudo um pouco. Era uma resposta que Dirceu poderia dar, mas só iria abrir margem pra mais conversa. Quem sabe se ele usasse um termo mais genérico. Como ser urologista e dizer que é "médico".

- Sou agente. - ... também esperava que ele fosse dizer "funcionário público" ou algo assim.

- Como o 007?!

- Quem?!

- Aquele cara dos filmes de ação. Cheio de tiros e explosões... cada mulher.

Nitidamente Dirceu não fazia idéia do que o Mosquinha estava falando. Mas pelo menos mudou o foco da conversa, era tudo o que ele queria.

- Sabe de uma coisa?! Toda essa conversa me deixou com fome. O almoço é por minha conta.

Almoço? Dirceu não estava com a mínima fome, pois já tinha almoçado. Porém, sua barriga queria arriscar, afinal não era todo o dia que Dirceu conseguia comer fora. Aliás, fazia um bom tempo.

Ainda bem que Mosquinha se ofereceu para pagar, Dirceu esquecerá sua carteira no CEU. Se é que podemos chamar algumas notas dentro do plástico do R.G. de carteira.

- Opa... nem almocei mesmo.

Mosquinha sorriu e deu um berro para anunciar dois comerciais de bife, apenas se ouviu um "está bem" do outro lado da parede, onde deveria ser a cozinha. Depois do conhecido "Prato Feito", um comercial com bife era o mais barato do cardápio. Mosquinha não queria gastar muito.

Sentaram-se de frente um para o outro em uma mesa logo ao lado da janela. Voltaram para o papo com alguns goles de Brahma gelada, o que ajudou a render mais piadas.

A tarde se fora, talvez a conversa mais longa que Dirceu já teve com alguém vivo nos últimos anos. O almoço foi saboreado pelo Mosquinha e devorado por Dirceu, parecia que não comia a dias. Foi ensinado pelos pais que deixar comida no prato era desperdício, então, mesmo satisfeito, limpava o prato.

Falaram de muita coisa que o passado engoliu. Quer dizer, Dirceu mais ouviu. O que era ótimo, assim não teria que abrir a boca para falar sobre sua vida chata. A vida dos outros era sempre mais interessante, menos morta. Toda vez que Mosquinha parecia querer saber mais a respeito do amigo, este driblava e arremessava outro assunto no ar. Até que foi inevitável.

- Mas e a família? Você mora com quem?

A empolgação etílica deixou lugar a uma melancolia. Família não havia. Não tinha notícias do seu pai desde a morte de sua mãe, há uns 8 anos. Foi o que motivou a se mudar de cidade, mas não de estado, indo parar em outra cidade do interior de São Paulo.

Não fazia questão de lembrar do pai, quase não parava em casa, seja pelos bicos de eletricista, pedreiro, marceneiro e o que mais aparecesse, ou por suas bebedeiras mundo a fora.

Quanto a sua mãe, Dirceu a amava. Ela ensinou mais sobre a vida do que a escola pública, era sua melhor amiga, mesmo com broncas constantes. Teria tido mais filhos, mas não queria com aquele marido. Infelizmente, o casamento simbólico durou por simples acomodação de todas as partes.

A morte dela foi o maior baque na vida de Dirceu. Doeu perder a única pessoa que tinha certeza que o amava. Abandonou casa, cidade e os poucos amigos. Já havia abandonado seu pai há muito tempo.

- Não vejo meus pais há muito tempo.

- Ah... mas e mulher? Nenhuma namoradinha?

Mosquinha tentava se fazer de jovenzinho com aquela pergunta. Aos 32 anos, Dirceu ainda se incomodava em falar de namoradas. Raras foram às vezes que teve oportunidades. Obviamente, Dirceu não tinha uma namorada. Ele já tinha se esquecido que podia.

- Não.

- Seu trabalho deve exigir muito de você. Você precisa relaxar um pouco.

- Estou precisando mesmo.

- Vamos fazer assim. Domingo é aniversário de minha mulher e faremos um churrasco na minha casa, aqui pertinho. Quero que você vá.

- Mas eu nem conheço sua esposa...

- Vai conhecer. Chamei um pessoal das antigas também, que não vejo faz tempo... não fazia idéia de onde você estava, mas agora posso te chamar. Vamos lá... você precisa conhecer gente nova.

Provavelmente Dirceu inventaria alguma história. Iria recusar com medo de um simples contato humano, com pessoas vivas e que ele não conhecia. Não teria histórias pra contar. Mas aquelas cervejas deram o incentivo que ele não recebia há anos.

- Está bem... eu vou. Onde que é?

- Tá marcado! Te explico como chegar.


Minutos depois Dirceu já estava voltando para o CEU. Não sabia direito em que estava pensando, se no futuro ou no passado. Aconteceu tudo de uma vez. Ficou cansado, animado. Com medo.

O diferente sempre assusta. Tanta gente com medo do mundo dos mortos. Dirceu tinha pavor do mundo dos vivos.


(Aguardem o próximo capítulo)

3 comentários:

Alessandra Castro disse...

Dirceu na balada??? Vius, percebi então que todo mundo tem um pouco de coveiro nessas houras.

Julia disse...

Legal seu blog!
Soh nova por aki...dah uma olhadinha no meu? Beijos

Mar e Ana disse...

aaahhh Dirceeeu! uma reviravolta na vida dele estará por vir?

:*